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20/08/2018
O embargo cautelar e a sua imposição sem observância dos requisitos legais
Há, sem dúvida, legitimidade nas ações da administração pública ao lavrar termos de embargo quando constatadas infrações ambientais. Todavia, a imposição de tais embargos não costuma seguir o disposto na legislação ambiental.
O Decreto 6514/08 prevê dois diferentes tipos de embargos, o que nem sempre é levado em conta pelos agentes ambientais:
Art. 3º - As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:
(...)
VII - embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;
Art. 101. Constatada a infração ambiental, o agente autuante, no uso do seu poder de polícia,
poderá adotar as seguintes medidas administrativas:
I - apreensão;
II - embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;
III - suspensão de venda ou fabricação de produto;
IV - suspensão parcial ou total de atividades;
V - destruição ou inutilização dos produtos, subprodutos e instrumentos da infração; e
VI - demolição.
§ 1o As medidas de que trata este artigo têm como objetivo prevenir a ocorrência de novas
infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo
administrativo.
Note-se que o artigo 3º trata do embargo sanção enquanto que o artigo 100 diz respeito ao embargo cautelar.
O embargo cautelar tem como objetivo impedir a continuidade da ação danosa ao meio ambiente, evitando que os danos se perpetuem ou que surjam novos. Já o embargo de obra ou atividade por um prazo determinado se trata de um mecanismo punitivo que, por óbvio, também apresentar-se como um mecanismo acautelatório em atenção aos princípios da prevenção e da precaução, mas que só pode ser aplicado após a garantia da ampla defesa ao administrado.
Os objetivos do embargo cautelar são bem definidos no artigo 108 do referido Decreto:
Art. 108. O embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas tem por objetivo impedir a
continuidade do dano ambiental, propiciar a regeneração do meio ambiente e dar viabilidade à
recuperação da área degradada, devendo restringir-se exclusivamente ao local onde verificou-
se a prática do ilícito.
A disposição é clara: apenas há legitimidade na imposição de embargo cautelar quando houver necessidade de impedir a continuidade do dano ambiental ou paralisar a ação danosa para possibilitar a regeneração da área degradada.
Ou seja, se não estiver sendo praticada alguma ação no momento da fiscalização não há motivo para o embargo do local.
É imprescindível, portanto, avaliar com critério o momento da fiscalização. Se por exemplo, não havia nenhuma intervenção sendo realizada na data da fiscalização; se não haviam veículos ou instrumentos no local ou, ainda, se o local já estava abandonado para regeneração, não há qualquer legalidade na imposição do embargo.
Neste sentido, Edis Milaré :
A medida cautelar de embargo de obras ou atividades de interesse público, por ato do agente
de fiscalização, antes de completada a instrução processual, somente será aplicada quando
caracterizado que a sua continuidade representa risco iminente de agravamento de dano para
o meio ambiente ou para a saúde pública.
Pode-se concluir, portanto, que o embargo cautelar é ato vinculado, que deve ser aplicado e mantido apenas nos casos de dano ambiental com degradação constatada e em andamento quando da fiscalização, de modo a resguardar o meio ambiente da continuidade da infração ambiental ou garantir o resultado prático do processo administrativo de apuração.
Nesse sentido afirma Neiva :
Daí que o embargo passa a ser considerado ato vinculado, que conta com previsão legal
explícita nesse sentido. Dessa maneira, se o agente público verifica a ocorrência do motivo ou
pressuposto objetivo do ato administrativo — que, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de
Melo, consiste no "pressuposto de fato que autoriza ou exige a prática do ato" [02] — tem ele o
dever de fazer incidir a lei ambiental que prescreve as conseqüências para a infração de
queimar ou desmatar sem autorização do órgão ambiental competente.
Em se tratando de ato vinculado, o contrário também é verdadeiro: não havendo necessidade de imposição da medida, esta não deve ser aplicada.
Além disso, importante lembrar que o poder de polícia não pode ser exercido aleatoriamente, devendo sempre observar os limites da lei. Cabe à administração adotar a medida mais razoável conforme ressalta Volnei Ivo Carlin :
O exercício do poder de polícia deve ter respaldo legal, donde procedem seus limites: o direito
individual em benefício dos direitos ou do interesse público. (...) A polícia deve verificar a
adequação das medidas tomadas as circunstâncias, tais como lugar, momento e meios.
E conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello :
Mormente no caso da utilização de meios coercitivos, que, bem por isso, interferem
energicamente com a liberdade individual, é preciso que a Administração se comporte com
extrema cautela, nunca se servindo de meios mais enérgicos que os necessários à obtenção do
resultado pretendido pela lei, sob pena de vício jurídico que acarretará responsabilidade da
Administração. Importa que haja proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal
a ser atingida.
Exatamente neste sentido segue a jurisprudência:
REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - APREENSÃO DE ANIMAIS- ATO DA
POLÍCIA AMBIENTAL - MEDIDA EXCESSIVA. O poder de polícia ambiental é atividade da
Administração que limita direito do particular ou regula a prática de ato em razão do interesse
público concernente a bens ambientais. Contudo, o exercício desta prerrogativa não pode ser
desempenhado aleatoriamente, devendo ser cumprido nos moldes que a lei estabelecer e com
atenção ao princípio da razoabilidade. a fim de limitar adequadamente a esfera de liberdade do
administrado. Desse modo, pertine ao Poder Público tomar a medida mais razoável visando
cessar a atividade danosa, in casu, a lesão ao meio ambiente .
O fato é que os agentes ambientais têm o costume de lavrar autos de infração acompanhados de termos de embargos sem avaliar previamente a real necessidade desta medida.
Uma vez imposto, o levantamento do embargo é procedimento burocrático e demorado e sua manutenção causa intensos danos ao administrado. É certo que medidas que coíbam danos ambientais são de grande relevância, mas é preciso que as sanções sejam aplicadas com cautela, proporcionalidade e razoabilidade.
1. MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 9 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. P.392
2. NEIVA, Micheline Mendonça. https://jus.com.br/pareceres/19362/imposicao-de-embargo-como-medida-acautelatoria-em-areas-ilegalmente-desmatadas-ato-vinculado acesso em 24 de julho de 2018.
3. CARLIN, Volnei Ivo. Direito Administrativo: doutrina, jurisprudência e direito comparado. 3ed. Florianópolis: OAB/SC, 2005. P.221/222.
4. BANDEIRA DE MELO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2002. P.718)
5. TJ-SC - MS: 195893 SC 2004.019589-3, Relator: Volnei Carlin, Data de Julgamento: 04/08/2005, Primeira Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Apelação cível em mandado de segurança n. 2004.019589-3, de Videira.
Autor: Manoele Krahn
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19/08/2018
Regularização Ambiental e o estado do Mato Grosso
O Código Florestal, promulgado em 25 de maio de 2012, tem o objetivo de regularizar as propriedades rurais que até então encontravam-se com irregularidades. A intenção é corrigir as ilegalidades e propiciar a efetiva proteção ao meio ambiente.
São diversas as formas de regularização e prazos para que os proprietários e possuidores possam se adequar.
Dentre as formas de regularização, surgiu o Programa de Regularização Ambiental – PRAs, em que os Estados, a União e o Distrito Federal deveriam no prazo de 1 (um) ano, contado a partir da publicação da Lei nº12.651, implementar o sistema.
Ainda que o prazo de 1 (um) ano não tenha sido respeitado pela maioria dos Estados, em 26/05/2017, o Mato Grosso publicou a Lei Complementar nº 592, regulamentada pelo Decreto 1.031 de 02/07/2017, que disciplina sobre o Programa de Regularização Ambiental, institui o Sistema Mato-grossense de Cadastro Ambiental Rural (SIMCAR) e regulamenta sobre o Cadastro Ambiental Rural.
Saindo na frente na tentativa de regularização, antes mesmo da promulgação da lei federal, o Mato Grosso já possuía um Programa de Regularização chamado MT legal, que contemplava o CAR e o Licenciamento Ambiental Único (LAU). Entretanto, com a promulgação da Lei, o Estado precisou se adequar, aderindo ao sistema federal: o SICAR (Sistema Nacional de Cadastro Rural), sendo que os cadastros que já existiam foram migrados para este sistema.
O sistema federal serviu de base para todos os cadastros até março de 2017, momento em que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente entendeu que o SICAR não supria toda demanda de análise dos cadastros estaduais e retomou a sistema Mato-Grossense de CAR (SIMCAR).
Com o retorno do cadastro estadual, os imóveis que já tinham inscrição deveriam ficar atentos a migração do sistema federal, com a devida retificação para adequação.
Após a formalização da inscrição no CAR, o processo seguirá automaticamente para a fase de regularização ambiental da propriedade ou posse rural, sendo composto das seguintes etapas: (i) análise e validação das informações declaradas, identificação da cobertura vegetal, fixação do percentual, alocação, delimitação e registro das áreas de Reserva Legal, Preservação Permanente, Uso Restrito e eventual resolução de sobreposições de áreas e
(ii) apresentação da proposta de regularização dos passivos ambientais de Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal ou Uso Restrito, pelo proprietário e/ou possuidor rural, com a consequente assinatura do correspondente Termo de Compromisso.
A citada regularização será assegurada por Termo de Compromissado que terá assinatura do proprietário ou possuidor do imóvel rural e pela SEMA que também é responsável por todo acompanhamento da recuperação das áreas degradadas.
Os proprietário e possuidores de áreas rurais localizadas no Mato Grosso deverão ficar atentos as novas regras de inscrição no Cadastro Ambiental Rural, principalmente pelo prazo de adesão ao programa de regularização ambiental que finda no dia 31/12/2018.
As hipóteses de regularização ambiental são uma ótima opção àqueles que desejam se adequar à nova lei, corrigindo as irregularidades e garantindo a efetiva proteção ao meio ambiente, lembrando a máxima jurídica de que o direito não socorre aqueles que dormem.
Autor: Maria Fernanda Dozza Messagi
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19/08/2018
Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça determina demolição de construção em área de preservação permanente.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região havia proferido decisão que permitia a manutenção da construção, mas proibia o aumento de área construída e determinava de área correspondente à ocupada.
A principal motivação para a reforma da decisão foi o fato de se tratar de área urbana, na qual não há previsão de área consolidada. Além disso, a decisão repisa o entendimento de que só é permitida a intervenção em área de preservação permanente nos casos de utilidade pública ou interesse social.
Por fim, o STJ reforçou a incidência da Súmula 613 que preceitua ¨Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental¨. Para o Ministro OG Fernandes aplicar a teoria do fato consumado ao caso ¨equivale a perpetuar, a perenizar um suposto direito de poluir que vai de encontro, no entanto, ao postulado do meio ambiente equilibrado como bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida¨.
Lei a decisão proferida no REsp 1.667.087 na íntegra:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=84068257&num_registro=201700852712&data=20180813&tipo=51&formato=PDF
Autor: Manoele Krahn
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05/06/2018
O problema dos incêndios de origem desconhecida
Quem trabalha no campo certamente já enfrentou o problema.
A ocorrência de fogo é comum e, muitas vezes, inevitável. São vários os fatores envolvidos: rodovias, ferrovias, linhas de transmissão, tudo isso agravado pelas épocas de seca e pelos ventos.
Existem medidas de prevenção que precisam ser adotadas: instalação e manutenção de aceiros, manutenção de brigada de incêndio e torres de vigilância. São medidas que podem contribuir para evitar a extensão dos danos, mas que não têm o condão de eliminar o problema.
Uma coisa é certa: uma vez que seja atingida pelo fogo, a área precisa ser recuperada, independentemente da existência de culpa. É o reflexo da responsabilidade civil objetiva. Não há o que se discutir.
O grande problema reside na atuação indiscriminada dos órgãos ambientais que, sob a justificativa de incêndios criminosos e da impossibilidade de apurar seus autores, decidem autuar indiscriminadamente os proprietários/posseiros.
A responsabilidade administrativa é aplicada de modo objetivo, em total desconformidade com o ordenamento jurídico vigente. E, pior, muitas vezes com a autorização de resoluções ilegais e inconstitucionais. É o caso do estado de São Paulo: a SMA editou a Resolução nº 48/2014 que comete o contrassenso de autorizar a responsabilização do proprietário todas as vezes em que não se puder identificar o autor do fogo.
É um completo absurdo conceber a imputação de responsabilidade administrativa em decorrência da falta de conhecimento da autoria do fato.
O Artigo 38 da LEI 12.651/12 determina expressamente e sem qualquer margem para interpretações, que ¨a autoridade competente para a fiscalização e autuação deverá comprovar o nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado¨. Frise-se: o acima transcrito é dispositivo de LEI!
E, ainda que assim não dispusesse a Lei, o §3º do artigo 38, em realidade, só veio reafirmar aquilo já deveria ser de conhecimento e aplicação da Administração Pública: para apuração de infrações administrativas na ocorrência de fogo, deverão estar presentes (I) a conduta (“a ação do proprietário ou qualquer preposto)”, (II) o “dano efetivamente causado”, e (III) o “nexo de causalidade” entre ambos. A questão do dolo ou culpa, exatamente por se tratar da esfera administrativa, fica implícita.
Uma autuação pela incidência de fogo deve ser acompanhada de provas acerca da contribuição do autuado para a ocorrência do dano, e mais: o ônus de tal prova é da administração.
Entendimento contrário deve ser fortemente combatido.
Autor: Manoele Krahn
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05/06/2018
PARÁ: CAOS AMBIENTAL E FUNDIÁRIO X PROGRAMA DE REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL
O Estado do Pará enfrenta graves problemas tanto em âmbito ambiental como fundiário.
Escuta-se diariamente sobre o alto índice de crimes ambientais ligados ao desmatamento da Amazônia Legal, sobre os preocupantes problemas fundiários, ligados à grilagem, à assentamentos não devidamente instituídos e à criação de unidades de conservação sem a devida desapropriação.
Com a promulgação do novo Código Florestal em 2012, muitos dos problemas, em teoria, encontraram solução. Um grande exemplo é a compensação de reserva legal feita por meio de doação ao poder público de área localizada no interior de Unidade de Conservação de domínio público pendente de regularização fundiária.
Porém, algumas normas mais específicas, ficaram a cargo de cada um dos Estados. Isso porque, cada região possui especificidades, como o tamanho da reserva legal que varia de 20% (em área de campos gerais) a 80% (Amazônia legal em área de floresta).
No Pará, a regularização específica surgiu apenas em 2015 com a instituição do Programa de Regularização Ambiental por meio do Decreto nº 1.379. O programa permite a adesão pelos proprietários ou possuidores de imóveis rurais que apresentarem passivos ambientais referentes a situações anteriores a 22 de julho de 2008 e desmatamento de floresta nativa, sem autorização, em data posterior a 22 de julho de 2008, sendo que, a única diferença é que apenas na primeira hipótese, haverá suspensão da cobrança de multa.
A novidade trazida é justamente àqueles que desmataram antes do marco legal em área fora de APP e RL já que a Lei Federal não prevê qualquer benefício nesses casos.
Além do decreto que institui o PRA, foi promulgada em 15 de fevereiro de 2016, a Instrução Normativa nº 1, que dispõe sobre os procedimentos e critérios no âmbito da Secretaria Estadual de Meio Ambiental e Sustentabilidade – SEMAS/PA para adesão ao programa.
Após o tramite administrativo, será disponibilizado Termo de Compromisso Ambiental – TCA a ser firmado com o Interessado, que com o cumprimento integral das obrigações, passa a se regularizar ambientalmente.
Sabe-se que o PRA não solucionará todos os problemas existentes no estado. Longe disso. Ainda há a necessidade de órgãos ambiental e fundiário mais atuantes e não engessados, além de políticas mais eficazes.
No entanto, o programa mostra uma luz no fim do túnel que possibilita aos proprietários/possuidores de áreas rurais combater o caos que atinge o estado, se adequando a legislação ambiental.
Autor: Maria Fernanda Dozza Messagi